“Eu passei a vida toda trabalhando, entendeu? Sempre cumpri com minhas obrigações e sempre fui perseguido sem fazer nada de errado, só fazendo o bem (…). Por isso, o tempo passou e eu vivi sem viver, entendeu? Responsabilidades.”

A frase acima é do pernambucano Edvaldo Veras, de 84 anos. O depoimento dele, que aconteceu naturalmente, sem eu pedir, é para mim um dos mais impactantes (e reflexivos) que já escutei desde que comecei a escrever “sentidos da vida.”

inspiringlife.pt - ‘O tempo passou e eu vivi sem viver’

Por causa do tom “amargo” de sua história, eu ponderei antes de publicá-la. Esses dias, porém, minha amiga Vanessa, com quem eu estava quando o encontramos, perguntou se eu não ia escrever a história dele. Aí eu pensei, por que não?

Curiosamente Edvaldo, que acredita não ter aproveitado a vida, é dono de uma loja de antiguidades chamada “Tempo”. Minha amiga Vanessa, que guardou o cartão dele até hoje, diz: “Chama ‘Tempo’. Mas ele fez uma rasura em todos os cartões e acrescentou com caneta um “s” no final. “TempoS”. Sabe-se lá quantos tempos a gente tem na vida.”

“Depois que se aposentou (…) resolveu colocar à venda os itens acumulados (…)”

O estabelecimento fica no Recife Antigo, centro histórico da capital pernambucana. Ele coleciona os objetos desde os 18 anos. Depois que se aposentou – ele era funcionário público –, resolveu colocar à venda os itens acumulados aos montes durante mais de 60 anos – uma vida!

Foi meio sem querer que eu e minha amiga Vanessa fomos parar dentro da lojinha do afogadense (ele nasceu em Afogados da Ingazeira- PE). “Turistávamos” pelo Recife Antigo quando ela parou para fotografar um homem que estava sentado em frente à loja. Edvaldo estava do lado, puxou papo e nos convidou para conhecer o estabelecimento.

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Entramos pela porta estreita da lojinha e demos de cara com um “corredor” escuro, cheio de objetos que um dia já foram úteis para alguém, mas hoje acumulam pó dentro do comércio: porcelanas, abajures, copos, relógios, telefones antigos, estatuetas e tudo o mais que você pode imaginar.

Enquanto nos mostrava as mercadorias, Edvaldo começou a desabafar: “Isso aqui eu acumulei a vida toda. Sempre gostei de colecioná-los”. Contou que se casou com uma mulher pela qual nunca foi apaixonado, mas jamais teve coragem de se separar. Disse que prometeu para sua mãe que cumpriria com as obrigações do casamento.

Cartão que Vanessa guardou da loja ‘Tempo’, onde Edvaldo acrescentou um ‘S’ no final
“Eu não fui feliz no casamento, sempre tive responsabilidade. Eu nunca tive coragem de deixá-la porque eu assumi a responsabilidade perante Deus e a família. Tem os filhos, não quis deixar os filhos sofrendo. Então o maior problema sempre é a responsabilidade que Deus me deu e eu vou morrer com ela.”

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Num tom amargo, Edvaldo parecia arrependido da vida que levou. Disse que sua esposa tem hoje 78 anos. Comentou que eles não “combinam” muito. Que ela não o entende. “Eu não sei o que é paixão, eu sei o que é gosto, merecimento, paixão mesmo eu não sei o que é isso. Paixão é fogo de palha.”

Ficamos uns 15 minutos na lojinha. “Tenho aqui esses porta cartões, quer um?” – perguntou-me Edvaldo, quando saíamos.

“(…) pensei em perguntar para ele o sentido da vida, mas não sei se devo”. “E por que não?” – ela respondeu.”

Deixamos o local, nos despedimos. Quando eu e a Vanessa já estávamos na calçada eu comentei com ela: “nossa, que história triste, né? Até pensei em perguntar para ele o sentido da vida, mas não sei se devo”. “E por que não?” – ela respondeu.

Voltamos e eu, com o gravador em mãos, ouvi a resposta de Edvaldo Veras sobre o sentido da vida:

“Eu acho que a gente, quando nasce, a vida da gente já está traçada, tudo o que você vai passar. Não adianta você subir uma ladeira se você não tem condições de subir, se você está cansado. Você insistir. O que você não nasceu para ter você não terá nunca, não adianta insistir. Muitos fracassos insistem embora você tenha… E assim é a vida. Para mim, naturalmente, não tem mais sentido, não. Cheguei aos 84 anos de idade, agora é esperar que Deus me chame.”

– O senhor acredita em destino?

“Eu acho que é. O destino faz parte também… Cada um nasce com um temperamento diferente, você tem as responsabilidades. Tem uns que não ligam para nada, levam a vida à vontade e vivem. E outros são responsáveis demais, e não vivem.”

Por: Vidaria Blog