Na minha adolescência, deparei-me certa vez com um poeminha (cuja autoria eu desconhecia na época) que trazia uma mensagem no mínimo interessante acerca do desapego nas relações. Eu era muito jovem e inexperiente, mas me recordo do quanto fiquei impactada e encantada com as estrofes.

O poema – que depois eu vim a saber que se tratava da “Oração da Gestalt” e escrito por Frederick Perls – dizia o seguinte:

“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.”

De lá pra cá, vivenciei inúmeras situações de apego, perda, necessidade de controle, medo, reciprocidade, vazio, amor-próprio, desespero, afetuosidade, carência, desejo, derrota, encontro, abandono, presença, ausência, ganho, aniquilamento… e hoje, revendo tudo, percebo que nunca possuí nada, nem ninguém. Nessa vida somos apenas viajantes temporários, e mal possuímos a nós mesmos.

Entender isso não nos torna individualistas, egoístas ou almas andarilhas que não se fixam em lugar algum. Entender isso traz paz, pois à medida que nos desapegamos do controle e das armadilhas da mente, damos chances da vida nos surpreender positivamente sem a nossa intervenção movida pela ansiedade e pelo medo.

Se engana quem acredita que é dono de alguma coisa ou de alguém. O máximo que podemos ter é a oportunidade de usufruir nosso tempo ao lado dessa pessoa, ou de usar algo que tenhamos adquirido. Acreditar que possuímos algo ou alguém, nos torna possuídos por essa coisa, pois escravizamos nossa mente e nossas emoções em prol de cuidar para que jamais percamos o que acreditamos possuir.

Quem pensa que é possuidor de algo, na verdade está possuído pelo apego, pelo medo, pela insegurança. Porém, nada nos pertence. Nada é nosso. As coisas têm uma existência própria, e essa existência não está sob nosso poder, em nossas mãos. Não temos domínio sobre o que irá acontecer com as pessoas, com o que elas pensam, desejam e de que forma querem se entregar à vida.

Por mais que imaginemos controlar, isso é uma ilusão. Mal dominamos nossa própria vida, mal temos controle sobre nosso destino. Imprevisibilidades e surpresas podem alterar nossos passos num piscar de olhos, enquanto nos apegamos ao que conhecemos tão bem, mas que não é eterno nem imperecível.

Tudo perece, tudo se finda, tudo se transforma. Viver de forma desapegada é viver aceitando que já perdeu, que já não possui, que já acabou, que apenas deve CONFIAR. Confie. Entregue. Agradeça ao que permanecer, pelo tempo que ficar.

Confie… Nada acontece por acaso, nada se perde sem algum motivo, nada se transforma sem que haja razão para isso, nada permanece se não tiver algo a ensinar. Apenas confie e desapegue. Deixe Deus agir, deixe o Universo trazer equilíbrio, deixe que o Tempo mostre o que deve ficar.

A mente barulhenta se inquieta, busca, anseia, deseja, ambiciona. E, na mesma proporção, se angustia, se agita, perde a paz, comete erros, controla, cobra, se decepciona e chora. Talvez a mente devesse se acostumar somente em deixar ir. Somente com o entendimento de que quanto mais forte você segura algo, menos desse algo você tem, e mais machucadas ficam as suas mãos.

Use, mas não possua. Usufrua, mas não se aproprie. Ame, mas não se apegue. Como isso é difícil quando se trata de Afetos! Apesar de soar um tanto “frio e calculista”, quando compreendemos que “usar” pode ser bem mais que tratar as coisas como descartáveis e sim valorizar o momento presente (pois ele passa) com sabedoria, entendemos que o “uso” das coisas e das pessoas no momento em que estão conosco é a única forma de possuir, ainda que por instantes, o que amamos.

“Use”, estando presente com a mente, o corpo e as emoções. “Use”, usufruindo a presença. “Use”, prestando atenção ao momento em que aquele encontro é real e possível, pois tudo é impermanente.

Não trate as coisas como descartáveis, nem alimente relações líquidas. Mas entenda que viver de forma desapegada é soltar para conquistar, é desamarrar para se unir, é libertar para cativar, é desobrigar para ganhar.

Que seja lindo quando nos encontrarmos. E, se por acaso não nos encontrarmos, “não há o que fazer…”